sábado, 31 de dezembro de 2016

    MINHA  PÁTRIA  EM  TRÊS   LAMENTOS
                                                                                30/12/2016                                        
                                                                           Eulália M.Radtke

I - VIA DOLOROSA

Abro este poema com cuidado.
É delicado e afiado como a própria vida.
Nossa Bandeira sangra.
Inchada pálida febril
nossa democracia
na UTI dos insensatos.

Que ferramentas desumanas 
danificaram a Carta Magna?
A tirania dos cifrões?
A insolência das proles de luxo
- ignorâncias incuráveis criadoras de sultões?
Ai Brasil, que vergonha!
Triste horizonte, este!
A solidão tornou-se constitucional
os ossos dos punhos mais livres
que os sonhos.
Provincianos, ressentidos
somos bem os donos das cenas
mais patéticas de uma sociedade
de equívocos.
Insones, criamos forças utópicas 
esquecendo a semiótica do drama.
Nem Marx resistiria.
Nietzsche, definitivamente
não reencarnou por aqui.

II- VIA DOLOROSA

Ando com ares de rainha exilada.
Tenho rodopiado nas persianas 
da janela .
Observo aranhas marrons no vaso
sobre a mesa da Terra.
Lembrei das imagens recentes
em todas as capitais.
Me dirigi à janela, separei
as persianas e não vi outros 
motivos
senão o desespero diante
das resoluções soturnas do Parlamento
e a dignidade humana sofrendo
sérios riscos.
Cantilenas  noticiosas
incitam a ler História Moderna
e Contemporânea das Américas.
Do prefácio ao epílogo reencontro
a repetição da História.
Em vão tento fazer brotar
do corpo estéril do livro
algum fio condutor de esperança
que nos leve além da corrupção
injustiça ignorância miséria
e solidão.

Um vento  sem norte 
sacode as persianas.
O tabuleiro permanece soberano
enquanto os bispos se digladiam.
Penso seriamente no "ovo de Colombo"
na elite vestida de amarelo cintilante,
paro por instantes diante dos estandartes
das supremas leviandades, 
volto a pensar, agora com certa fúria
sobre o que havia dentro do ovo.

As incertezas se alastram
como um deserto agreste.
É preciso inaugurar o monumento
das magníficas e vergonhosas
mentiras.
Pensando assim
um silvo áspero retumba
à minha janela, parte a vidraça
e meus fantasmas incompreensíveis
dizem palavras: talvez exista alguma
matemática do espírito
cujas terríveis leis não sejam
tão violáveis como as que regem
 a mentira governamental.
Diante dos estilhaços
guardarei o monumento do engôdo
no templo das sete vergonhas do mundo.
De certo que guardarei
antes que cesse o coração.

III- VIA DOLOROSA

Hoje, com displicência
visitei o jornaleiro.
Comprei todas as notícias
juntei os estilhaços da vidraça
 e fechei a porta.
Pelas paredes caiadas da nação
descubro o mau cheiro
entranhado em bolor.
Nunca gostei das fadas e varinhas mágicas.
Escolhi a poesia dura
e renunciei aos encantamentos.
Se heróis e metáforas administrativas
resolvessem crises econômicas e sociais
a Declaração Universal do Direitos Humanos
teria sentido.

Ai, Brasil,  como não entristecer?
O tabuleiro continua a irritar-me
exigindo afinidades.
Na diagonal, quanto em linha reta 
o sangue é vermelho.
Dorme, povo.
Dorme no silêncio ilusório da
canção partida
porque o coro está desafinado!
Dorme o sono distraído
enquanto rumores difusos se amealham,
se tornam tão altos,
que de tão altos tornanam-se surdos!

Enterrados sob os equívocos 
da História,
os desígnios das "dívidas" os ilustres
já comeram o pai
a mãe e os filhos.

No tabuleiro 
os peões já começam
a avançar e ameaçar
xeque-mate aos reis de
                           toda verve.


Mini Biografia:
Eulália M. Radtke, nasceu em  6 de maio 1949 na cidade de Gaspar SC.
Obras editadas:  As Travessias- 1976 ,  Espiral-1980,  O Sermão das Sete Palavras- 1986,  Roteiro Lírico de São josé dos Pinhais -1995,  Lavra Lírica- 2000,  Olho D' Água-2007. 
58 antologias, 52 prêmios literários, Poesia em Praça:  Cachoeiro do Itapemirim-ES, Blumenau-SC,  São José dos Pinhais-PR.
Verbete no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras,1711/2001- Nelly Novaes Coelho, Academia Paranaense de Letras José de Alencar- Pr.  Homenagem Especial por sua obra , na Academia Catarinense de Letras.

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2 comentários:

  1. Boa tarde,minha linda.Em primeirísdimo plano,perdão pela ignorância imperdoável de não conhecer sua biografia. Maravilhada com sua escrita - aula de palavra. Esses poemas maravilharam-me, destroçaram-me, arregaçaram-me a alma, como já havia falado no menssanger(é Edileuza Coelho de Oliveira, estou com um problema técnico com o computador, não consigo sair do e-mail dele para entrar no meu. A quarentena ainda não me permitiu resolver. Perdão). Esses poemas pertencem àquela constelação de poesia que, não importa quanto você já tenha lido, vai te surpreender, arrebatar. Até ferir. E, cá estou, emocionada: o Brasil sombrio despertou um lado político meu que, até então, desconhecia. Esse tema mexe muito comigo.

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  2. EDILEUSA, QUERIDA POETA,SUAS PALAVRAS INCHARAM AS MINHAS EMOÇÕES.Te abraço afetuosamente!
    Gratidão! Eulália Radtke.

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